sábado, 7 junho 2025

Desinformação e preconceito isolam famílias de crianças que mais precisam de acolhimento

Especialista de Garopaba alerta para os impactos de discursos públicos que promovem a discriminação e dificultam a inclusão de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento.
Foto: Ridvan Celik
Foto: Ridvan Celik

A recente repercussão de vídeos publicados pela conselheira escolar do CEI Francisco Domingos Pacheco, no bairro Encantada, em Garopaba, gerou debate sobre o respeito aos direitos de crianças atípicas. Em suas declarações, ela minimizou diagnósticos como Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), sugerindo que tais condições são exageros criados por pais.

As falas, repudiadas por entidades e profissionais da saúde, escancaram um problema mais amplo: o avanço da desinformação sobre o autismo nas redes e comunidades digitais.

Especialista explica: transtornos não são modismo nem birra

A terapeuta ocupacional Taís Scalzilli, que atua na Clínica Evolve em Garopaba, foi uma das profissionais que se manifestaram publicamente após as declarações da presidente do Conselho Escolar Deliberativo. Com ampla formação na área, Taís é especialista em Saúde Mental, possui pós-graduações em Psicopedagogia, Análise do Comportamento Aplicada (ABA), Pediatria e Neurociências, além de ser mestranda em Atenção Precoce e estar em curso de Integração Sensorial.

Em vídeo publicado nas redes sociais, Taís reforçou que o autismo (TEA), o TDAH e o TOD são transtornos do neurodesenvolvimento reconhecidos pela ciência internacional, e não “doenças” ou desculpas criadas por pais, como foi sugerido nos vídeos da conselheira. “Seletividade alimentar não é birra. Transtornos do neurodesenvolvimento não são modismo. E os direitos dessas crianças não são privilégios. O preconceito não pode ser normalizado, principalmente por quem representa instituições voltadas à infância”, afirmou.

Taís também destacou que esses diagnósticos requerem acompanhamento especializado e respeito, não julgamento público. “Essas famílias vivem desafios reais e cotidianos. Precisam de acolhimento, não de culpabilização. Falar que o problema está ‘nas mães’ ou que a ‘doença está nelas’ é desinformação, além de um desserviço à sociedade”, destaca.

Estudo aponta explosão de desinformação sobre autismo na América Latina

Um levantamento inédito conduzido pelo Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/CEAPG/FGV), em parceria com a associação Autistas Brasil, identificou que o volume de desinformação sobre o autismo cresceu mais de 15.000% entre 2019 e 2024 nas comunidades digitais da América Latina e do Caribe.

A pesquisa analisou mais de 60 milhões de mensagens públicas no Telegram, com cerca de 5 milhões de usuários em 19 países. O Brasil lidera o ranking de desinformação, concentrando 46% do conteúdo conspiratório sobre TEA: foram mais de 22 mil publicações e 13,9 milhões de visualizações em uma década.

Foram identificadas ao menos 150 falsas causas e 150 falsas curas para o autismo. Entre os conteúdos mais perigosos estão alegações infundadas que associam o TEA a vacinas, radiação 5G, alimentos industrializados e até castigos espirituais. Também circulam “tratamentos” como ingestão de substâncias tóxicas, terapias com eletrochoque e uso de prata coloidal, práticas que colocam em risco a integridade de crianças.

“Epidemia digital” reforça preconceito e põe vidas em risco

Ergon Cugler, coordenador do estudo, autista e integrante da Autistas Brasil, afirma que o cenário é alarmante. “Estamos diante de uma epidemia digital. Curas milagrosas e teorias absurdas têm mais alcance do que a ciência. Isso coloca vidas em risco e transforma a desinformação em um modelo de negócio”, disse. Ele alerta ainda para o risco de comunidades conspiratórias que funcionam como “seitas digitais”, misturando linguagem pseudocientífica, espiritualidade e negação da ciência.

O estudo mostra que essas redes conspiratórias tratam o autismo como algo a ser combatido ou erradicado, e não como uma condição a ser compreendida e acolhida. “O mais grave é que, nessas bolhas, o autismo é tratado como algo a ser curado, reforçando preconceitos e estimulando práticas prejudiciais à saúde pública”, concluiu Cugler.

Informação, acolhimento e políticas públicas são o caminho

Diante do aumento da desinformação e do preconceito, especialistas e entidades reforçam que o combate ao capacitismo começa com educação, empatia e responsabilidade na comunicação. Pais, professores, conselheiros escolares e representantes públicos têm o dever de buscar conhecimento baseado em evidências científicas e respeitar os direitos de crianças atípicas garantidos por lei.

“Inclusão não é favor, é direito. E quem ocupa espaços de fala precisa usá-los com responsabilidade”, concluiu a terapeuta Taís Scalzilli.

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