A instalação de sacos de areia (bags) na Praia da Barra, em Garopaba nesta semana, gerou grande repercussão e reascendeu o debate sobre os impactos e a ocupação costeira. A ação, iniciada no começo desta semana, tem o objetivo de conter o mar sobre as construções atingidas pela erosão costeira e foi classificada pela administração municipal, por meio de decreto, como uma medida emergencial e temporária.
O Decreto nº 273/2025, assinado pelo prefeito Junior de Abreu Bento (PP), declarou situação de emergência nas áreas costeiras do município em razão da erosão marinha registrada entre os dias 30 de julho e 10 de agosto. De acordo com o texto, as ressacas afetaram as praias do Centro e da Barra, causando danos nas dunas, destruição de vegetação e impacto em residências e ranchos de pesca.
O mesmo decreto também foi utilizado para embasar a abertura da barra no dia 25 de agosto, ação executada pela Defesa Civil para facilitar o escoamento das águas da lagoa.
Esta não é a primeira vez que o método é aplicado no local. Durante ressacas anteriores, estruturas semelhantes já haviam sido instaladas na tentativa de conter o avanço das ondas. No entanto, parte dos sacos foi danificada e arrastada para o mar, aumentando a preocupação de moradores e ambientalistas quanto aos possíveis impactos ambientais e à eficácia da contenção.
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Desde a terça-feira (15), moradores relataram à redação do Garopaba.sc a movimentação de caminhões e máquinas na área, transportando areia e posicionando os bags ao longo da faixa de praia. Os trabalhos se concentram no trecho mais afetado pelas ressacas registradas desde julho, que vêm provocando redução da faixa de areia, destruição da vegetação de restinga e exposição das fundações de muros dos imóveis localizados próximos à linha da maré.
A região onde ocorre a intervenção também é objeto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) desde de 2011, que pede a remoção de casas construídas em área de restinga e a recuperação ambiental da faixa litorânea. O processo, que tramita na Justiça Federal, tem como base laudos técnicos que apontam ocupação irregular e supressão de vegetação nativa em trechos considerados de preservação permanente.

Oceanógrafo defende restauração de dunas e vegetação como alternativa à engenharia dura
Consultado pela equipe do Garopaba.sc, o professor Paulo Horta, titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador dos programas de Pós-Graduação em Oceanografia e Ecologia, comentou à reportagem do Garopaba.sc sobre as intervenções emergenciais em curso na Praia da Barra. Pós-doutor pela University of Plymouth (Reino Unido) e pelo Centre of Marine Sciences (Portugal), o especialista destacou que esse tipo de ação é uma “obra de engenharia dura”, que pode trazer efeitos colaterais à dinâmica natural das praias.
Segundo o pesquisador, intervenções como as observadas na Barra afastam a região das soluções consideradas mais eficazes e sustentáveis para lidar com a erosão costeira e as mudanças climáticas. Ele explica que as chamadas soluções baseadas na natureza, como a restauração de dunas e da vegetação de restinga, apresentam melhor custo-benefício ambiental e contribuem para aumentar a resiliência da costa e absorver carbono.
Paulo Horta enfatiza que qualquer ação desse tipo deve ser precedida por um diagnóstico técnico robusto, com estudos sobre batimetria, circulação costeira, ventos, topografia e condições climáticas locais, de modo semelhante ao processo médico de avaliação antes de um tratamento. Sem esse conhecimento detalhado, diz ele, as medidas podem agravar o problema da erosão, alterando correntes e provocando o deslocamento do impacto para outras áreas da praia.
O pesquisador também alertou para o risco ambiental causado pelo uso dos sacos de areia, que são produzidos com material plástico e podem gerar microplásticos à medida que se degradam com o tempo. Segundo ele, esse processo alimenta o ciclo de poluição marinha e pode impactar a biodiversidade costeira, especialmente em uma região sensível como a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca.
Horta reforçou que as ações costeiras precisam ser pensadas dentro de uma estratégia de enfrentamento à crise climática e à perda de biodiversidade, especialmente diante da elevação do nível do mar e da frequência crescente de ressacas e tempestades. Ele defende que a recuperação das dunas, das restingas e de ecossistemas submersos, como bancos de gramas marinhas e recifes, deve ser prioridade em locais como Garopaba.
Para o especialista, o momento exige uma discussão séria e técnica sobre o futuro do litoral brasileiro. “Precisamos de intervenções que restabeleçam o equilíbrio natural, garantam praias saudáveis e preservem os recursos públicos e as economias locais que dependem de um litoral resiliente”, afirmou à reportagem.
Bags danificados liberam microplásticos e poluem o oceano, diz biólogo
Na mesma linha, o biólogo Cássio S. Sartori de Garopaba explicou à nossa redação que os sacos, comumente fabricados em poliéster, polipropileno ou polietileno de alta densidade, são plásticos sintéticos derivados do petróleo. Quando se rompem, liberam fragmentos que se transformam em microplásticos — partículas que permanecem por longos períodos no ambiente marinho.
O especialista alerta que esses resíduos podem prejudicar especialmente os quelônios (tartarugas marinhas), que confundem o material com alimento. “Os resíduos maiores e menores gerados por eventuais bags danificados são fontes de poluição para o ambiente marinho”, explicou. Segundo ele, o oceano já sofre com o acúmulo de poluentes plásticos provenientes de outras fontes, e a degradação desse tipo de estrutura cria um efeito cumulativo.
Sartori acrescenta que medidas como o uso de sacos de areia não resolvem o problema da erosão costeira, e que a preservação das praias, das dunas e da vegetação de restinga é essencial para manter a estabilidade natural da orla. Ele conclui destacando que a restauração dos ambientes costeiros é fundamental para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

IMAG diz não recomendar uso de bags, mas confirma caráter emergencial da obra
A reportagem do Garopaba.sc questionou o Instituto do Meio Ambiente de Garopaba (IMAG) sobre o possível risco ambiental relacionado ao uso de sacos de areia (bags) instalados na Praia da Barra, em Garopaba, como contenção emergencial após o avanço do mar.
Na resposta, o IMAG afirmou que “não recomenda o uso de bags”, mas destacou que a medida foi adotada em caráter emergencial e temporário, conforme previsto em decreto da Defesa Civil. O órgão esclareceu ainda que, caso o material se desprenda e seja encontrado em área diversa da instalada, o responsável poderá ser autuado.
Apesar disso, vídeos registrados nesta semana durante a instalação das novas estruturas mostram sacos de areia utilizados em intervenções anteriores já no mar, arrastados pela força das ressacas que atingiram o litoral nos últimos meses. As imagens reforçam a preocupação de moradores e especialistas quanto à eficácia e aos riscos ambientais do uso desse tipo de material na contenção da erosão.

Responsável pela obra
Nossa equipe também questionou o IMAG sobre quem é o responsável técnico pela execução da obra, já que, anteriormente, o instituto havia informado que o projeto havia sido apresentado pela Defesa Civil e estava sob sua responsabilidade.
Em nova resposta, o IMAG explicou que o projeto definitivo da Defesa Civil ainda não está em execução. Segundo o órgão, “o projeto que foi apresentado pela Defesa Civil não teria tempo hábil para ficar pronto até a alta temporada, por este motivo foi adotada a medida temporária emergencial que está em execução. O projeto apresentado pela Defesa Civil entrará em execução na baixa temporada de verão”.
O IMAG também orientou que detalhes sobre a aprovação e execução do projeto devem ser consultados diretamente com a Defesa Civil.
Embora o IMAG seja o órgão ambiental do município, a execução das ações emergenciais e a elaboração do projeto definitivo estão sob responsabilidade da Defesa Civil.
Obra é temporária e sem tempo definido, diz Defesa Civil de Garopaba
A Defesa Civil de Garopaba, responsável pela coordenação das ações emergenciais na Praia da Barra conforme informado pelo IMAG, alegou que a obra utiliza apenas sacos de areia, sem o uso de pedras ou troncos de madeira, conforme havia sido relatado por moradores. O órgão também esclareceu que não há um tempo específico de duração previsto para a estrutura temporária instalada na faixa de areia.
Segundo Guilherme Ramos de Lima Cipriano, diretor da Defesa Civil de Garopaba, ondas de 3,5 a 4,5 metros causaram intensa erosão costeira, atingindo residências e construções pesqueiras.
A reportagem também questionou ainda a Defesa Civil sobre como será tratada a possível poluição do oceano caso os sacos se rompam com a força das ondas, e se essa situação poderia configurar crime ambiental ou se existe legislação específica que autorize esse tipo de intervenção sem causar danos ao meio ambiente. Até publicação desta matéria, não houve resposta para esses questionamentos.

O que diz o ICMbio
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, não respondeu aos questionamentos da redação até a publicação desta matéria. O órgão foi procurado para comentar sobre a instalação dos sacos de areia na Praia da Barra e eventuais riscos ambientais relacionados à intervenção.
Entretanto, conforme destacou o promotor de Justiça Eduardo Barragan, em manifestações anexadas à ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), o ICMBio já havia se posicionado de forma contrária à regularização das construções existentes na área. Nos relatórios apresentados no processo, o instituto aponta que a região não é passível de regularização e mantém posição favorável à remoção de parte das edificações existentes e à recuperação ambiental da restinga e da faixa litorânea.

Enquanto a obra temporária segue em execução, a situação continua expondo a fragilidade da ocupação costeira e reacendendo o debate sobre as formas de convivência entre as construções e a dinâmica natural das praias de Garopaba.