A Polícia Civil de Santa Catarina concluiu o relatório na última sexta-feira (27) no âmbito da Operação Maestro, apontando a existência de um suposto esquema de fraudes estruturadas em contratos da Prefeitura de Garopaba. O documento de 134 páginas assinado pelo delegado de polícia Ricardo Leal Kelleter Neto, que integra o inquérito policial nº 637.23.0001, descreve os fatos investigados envolvendo o prefeito Junior de Abreu Bento (PP), servidores públicos e empresários, relacionados a contratos firmados entre 2022 e 2023.
Segundo a investigação, os contratos eram estruturados para simular licitações regulares, mas os resultados eram previamente definidos. Foram identificadas fraudes nos processos de contratação, modificação de contratos sem respaldo legal, uso indevido de recursos públicos, lavagem de dinheiro e atuação de organização criminosa, aponta o relatório final.
“Estamos diante de uma Organização Criminosa institucionalizada no Poder Executivo Municipal de Garopaba que, devido a isto, conta com os investigados investidos em cargos públicos, tendo o poder de se valerem da estrutura da administração para, então, manipularem os fatos e perseguirem os que os contrariam. Ou seja, se trata de uma estrutura criminosa muito mais perniciosa do que as tradicionais”, disse o delegado no relatório.
Fato 1 – Reforma do subsolo do GPA
O primeiro fato trata da Tomada de Preço nº 01/2023, referente à reforma do subsolo do Garopaba Pronto Atendimento (GPA). A obra foi adjudicada à empresa Israel Gonçalves ME, mas a investigação apontou que o contrato foi apenas uma formalidade para encobrir contratações previamente combinadas com Jonas de Abreu Bento (primo do prefeito), Lisiane de Jesus Torquato (Maribox/CenterGlass) e Jailson de Souza, Diogo de Souza Bento e Fernando de Mello Rodrigues, que executaram o serviço informalmente.
O edital proibia subcontratações, mas houve divisão da obra, com pagamentos em duplicidade e emissão de notas por serviços não realizados. A JM Divisórias também foi contratada, sem vínculo com o certame, para fornecer materiais que já constavam no escopo da obra principal.
De acordo com o relatório, a licitação teve participação única, e o laudo pericial identificou exigências técnicas incompatíveis com a realidade do mercado, o que impediu a concorrência. Rafael dos Santos Ulyssea, servidor municipal e fiscal do contrato, teria colaborado ao inserir itens inexequíveis e permitir contratações fora das normas.
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Fato 2 – Construção de escola no bairro Encantada
O segundo fato investigado refere-se à Tomada de Preço nº 02/2023, para construção de uma escola municipal no bairro Encantada. Repetindo o modelo da primeira obra, o contrato foi vencido por Israel Gonçalves, mas, conforme apontado, a execução foi entregue a terceiros indicados pelo prefeito Junior de Abreu Bento.
Consta no relatório que, antes da formalização da licitação, já havia definições sobre quem realizaria cada etapa da obra. A investigação identificou áudios em que o prefeito promete lucros de R$ 50 mil ao executor Edson Adão Demétrio, mediante recursos públicos, o que foi classificado como direcionamento ilícito.
A fiscalização do contrato foi atribuída ao servidor público, engenheiro Alexandre Alcante Kortz, que, segundo os autos, tinha ciência das irregularidades e as viabilizou. A Polícia Científica identificou pagamentos por itens não executados ou medidos acima da realidade.
Fato 3 – Instalação de portão na sede da Prefeitura
O terceiro fato apurado na Operação Maestro refere-se à compra irregular de um portão de ferro instalado na área da quermesse, junto ao muro da sede da Prefeitura de Garopaba. Segundo a investigação, a contratação ocorreu sem licitação e sem processo formal de dispensa, configurando contratação direta fora das hipóteses legais.
O portão foi fornecido por Augusto da Silva Pedro (“Bambu”), mas o pagamento foi feito de forma indireta: o valor de R$ 7.535,00 foi repassado por Israel Gonçalves ao então secretário de Turismo Aires dos Santos, que transferiu a quantia ao servidor Mathias Gonçalves Luiz, responsável por entregar o dinheiro ao fornecedor.
A Polícia Civil apontou indícios de superfaturamento, uso indevido de contrato de manutenção para justificar o repasse e corrupção passiva envolvendo Aires e Mathias. O relatório concluiu que o prefeito Junior de Abreu Bento também teve conhecimento e participação no processo, que burlou os trâmites legais da administração pública.
Fato 4 – Organização criminosa
Segundo a Polícia Civil, os fatos não ocorreram de forma isolada. O relatório conclui que houve a formação de uma organização criminosa com estrutura definida, divisão de funções e atuação permanente no âmbito da Prefeitura de Garopaba.
Foram citadas como integrantes do grupo as seguintes pessoas como integrantes do grupo, incluindo Junior de Abreu Bento, Israel Gonçalves, Rafael dos Santos Ulyssea, Jonas de Abreu Bento, Lisiane Torquato, Marcelo Cardoso Severino, Janine Bento Severino, Edson Adão Demétrio, Alexandre Alcante Kortz, Silas Gonçalves, Henrique da Silva Telles Vargas, Ana Paula Sampaio entre outros.
O documento indica que esses agentes atuaram de forma coordenada em contratos da educação, saúde e limpeza urbana (Pregão Presencial nº 01/2023, no valor superior a R$ 5 milhões), configurando organização criminosa nos moldes da Lei 12.850/2013.
Fato 5 – Tentativa de suborno e manobras políticas
Durante a apuração, surgiu a denúncia de uma suposta tentativa de suborno ao vereador Rogério Linhares, que teria recebido proposta do empresário Eduardo Schmitt Espíndola sócio administrador da Qualidade Mineração Ltda, para se ausentar da sessão da Câmara de Vereadores que trataria da cassação do então presidente da Casa.
Embora a Polícia tenha solicitado o arquivamento por falta de provas, o relatório cita que o então procurador geral do município, Henrique da Silva Telles Vargas, atuava nos bastidores sugerindo manobras para proteger o grupo político no poder, com estratégias que incluíam tentativas de barrar CPIs, influenciar votações no Legislativo e criar enredos para embaraçar as investigações.
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Lavagem de dinheiro e movimentações atípicas
O relatório da Operação Maestro também apresenta indícios de lavagem de capitais. A análise financeira revelou que o prefeito Junior de Abreu Bento recebeu, no período de janeiro de 2022 a junho de 2024, R$ 521.796,39 em salários da prefeitura, mas teve movimentações em espécie que somaram R$ 648.415,51, sem origem identificada.
Além disso, foram detectadas práticas como smurfing, técnica utilizada para fracionar valores e dificultar o rastreio da origem ilícita do dinheiro. Na residência do prefeito Junior de Abreu Bento, foi apreendido contrato de compra e venda de imóvel ocultado em nome de terceiros, com suspeita de simulação patrimonial.
Conclusão do relatório da Operação Maestro
O relatório final da Operação Maestro, conduzido pela Polícia Civil de Santa Catarina, concluiu que houve a constituição de uma organização criminosa atuante dentro da estrutura da Prefeitura de Garopaba para fraudar licitações, desviar recursos públicos e simular contratações.
Foram indiciados pela Polícia Civil no relatório da Operação Maestro os seguintes envolvidos: Junior de Abreu Bento, Rafael dos Santos Ulyssea, Marcelo Cardoso Severino, Janine Bento Severino, Henrique da Silva Telles Vargas, Alexandre Alcante Kortz, Silas Gonçalves, Israel Gonçalves, Jocimara da Soler, Lisiane de Jesus Torquato, Jonas de Abreu Bento, Ana Paula Sampaio, Jailson de Souza, Diogo de Souza Bento, Fernando de Mello Rodrigues, Edson Adão Demétrio, Marionildo Goulart Camelo, Mathias Gonçalves Luiz e Aires dos Santos.
O relatório conclui que os indiciados respondem, de forma individualizada ou conjunta, pelos seguintes crimes: fraude ao caráter competitivo de licitação (art. 337-F do Código Penal), modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo (art. 337-H), contratação direta ilegal (art. 337-E), falsidade ideológica (art. 299), uso indevido de rendas públicas (art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/67), corrupção passiva (art. 317), corrupção ativa (art. 333), organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) e, em alguns casos, lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98).
A autoridade policial concluiu que os envolvidos atuaram de maneira estruturada e permanente para fraudar procedimentos licitatórios e contratuais, com divisão de tarefas e simulação de legalidade na execução de serviços públicos.
O documento foi encaminhado ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, com sugestão de medidas cautelares e sequestro de bens dos envolvidos.

O que diz a defesa do prefeito
Em nota, o advogado Guilherme Silva Araujo, responsável pela defesa do prefeito Junior de Abreu Bento de Garopaba, se manifestou sobre o indiciamento:
“A defesa técnica do Prefeito Junior Abreu recebe com serenidade o relatório conclusivo do Inquérito Policial referente à Operação Maestro, destacando de início que o ato de indiciamento representa apenas uma manifestação unilateral do Delegado de Polícia, que, sob sua perspectiva, entendeu haver indícios de irregularidades, o que, contudo, não configura acusação formal e tampouco implica culpa ou condenação.
Reafirmamos nosso respeito pelo trabalho desempenhado pela Delegacia responsável, no entanto, no plano jurídico-processual, manifestamos nossa clara e fundamentada discordância com as conclusões apresentadas, afirmando com segurança que, no decorrer da persecução, todos os pontos controversos serão esclarecidos. Nos cabe relembrar que a mencionada apuração surge justamente durante período eleitoral após denúncias infundadas realizadas por empresário descontente com a imposição de firmes penalidades pelo município diante de reiterados descumprimentos de contratos.
Ressaltamos, especialmente, que não há qualquer elemento no inquérito que comprove o recebimento de vantagens indevidas ou enriquecimento ilícito por parte do Prefeito Junior Abreu, tampouco restou demonstrada, de forma satisfatória, qualquer intenção de causar dano ao erário, mesmo após uma extensa investigação, reiterando assim sua inocência e ratificamos nossa confiança nas instituições que compõe o sistema de justiça criminal catarinense”.