A empresa Surfland Brasil Garopaba Incorporações SPE Ltda. acumula mais de 300 processos judiciais, segundo levantamento no site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). As ações, movidas por investidores cotistas de diversas regiões do estado, apontam descumprimento contratual, atrasos na entrega das unidades e alterações nas condições originalmente pactuadas em material publicitário.
Conforme os dados levantados junto ao TJSC, em 2024 foram registrados cerca de 110 processos. Já em 2025, de janeiro até julho, já são mais de 190 ações. As principais alegações envolvem rescisão contratual com devolução de valores, cláusulas abusivas, omissão de informações relevantes, indenizações por danos morais e materiais, além de suposta alteração unilateral de cláusulas de uso.
O empreendimento, divulgado como o maior resort com piscina de ondas da América Latina, promovido com forte apelo publicitário voltado ao público do surf e investidores em multipropriedade, tinha previsão de entrega divulgada como sendo novembro de 2022. Entretanto, de acordo com diversos cotistas, nem o resort nem as unidades habitacionais foram finalizadas até hoje.

Reclamações envolvem desde estrutura até modelo comercial
Entre os processos registrados, muitos relatam não apenas o atraso na conclusão das obras, mas também mudanças estruturais e comerciais no projeto. Cotistas apontam que áreas como piscinas infantis, espelhos d’água e espaços para uso familiar, divulgadas inicialmente, foram suprimidas. Além disso, a possibilidade de uso exclusivo por cotistas, sem o modelo de Day Use, também teria sido alterada, contrariando o que afirmam ter sido prometido no ato da venda.
Um dos relatos obtidos pela reportagem é do advogado Rômulo Barreto Volpato, morador de Braço do Norte (SC), que adquiriu uma cota em junho de 2020. Ele afirma que foi levado a comprar com base na promessa de um clube familiar de acesso permanente e exclusivo para cotistas. No entanto, segundo ele, a estrutura atual não corresponde ao que foi vendido. “Hoje a diferença de preço entre cotista e visitante é de cerca de R$ 100 por sessão de surf, o que chega a ser ridículo. Fui enganado”, declarou.
Rômulo relata ainda que buscou solução amigável, notificando a empresa por canais oficiais, mas teve como única proposta o distrato com retenção de 50% do valor pago, mesmo após todos os prazos contratuais e de tolerância terem expirado. Em seu processo judicial, obteve sentença favorável para devolução integral com correção e multa, mas a empresa recorreu ao TJSC.
Escritório de advocacia relata padrão nas defesas da Surfland e obtém decisões favoráveis em ações
O escritório Tácio Camargo Advogados Associados, que atualmente representa mais de 50 cotistas em ações contra a Surfland, relata que as queixas se concentram em três pontos principais: atraso na entrega, postura inflexível da empresa nos pedidos de distrato e ausência de clareza contratual sobre os prazos de conclusão do empreendimento.
Além de advogado, Tácio Camargo é também cotista do Surfland. Ele conta que adquiriu duas cotas no empreendimento com a expectativa de utilizá-las já em 2023, tanto para lazer quanto como possível fonte de receita com aluguel das frações. No entanto, com o não cumprimento da previsão de entrega e a falta de alternativas de solução apresentadas pela empresa, optou por entrar na Justiça. Sua primeira ação foi protocolada em novembro de 2023.
“Iniciei algumas ações contra a Surfland depois de muita insatisfação principalmente com o atendimento pós-venda. A expectativa de utilização virou frustração. Mesmo com o prazo ultrapassado, a empresa não admitia negociar. Em um dos contratos, fui forçado a aceitar o distrato”, relatou o advogado.
Segundo ele, a empresa teria rescindido unilateralmente um dos contratos, sem propor qualquer indenização ou alternativa de compensação proporcional. Camargo aponta ainda que o contrato é vago quanto à data de entrega, o que deixou diversos proprietários sem garantias claras. Com a constatação de que havia inúmeros outros processos na Justiça por motivos semelhantes, decidiu usar sua experiência jurídica para orientar outros cotistas.
De acordo com Camargo, a justificativa recorrente da empresa em sua defesa nos processos é o impacto da pandemia de Covid-19 e de enchentes na região Sul do Brasil. “Essa justificativa já não se sustenta. Já se passaram anos desde esses eventos, e o argumento está sendo replicado mecanicamente nos processos. Em alguns casos, chegam a citar a tragédia do Rio Grande do Sul como fator que comprometeu o andamento da obra em Garopaba, o que é completamente desconectado da realidade dos contratos firmados”, afirmou.
Em algumas das ações que conduz, o escritório já obteve decisões liminares favoráveis, como a suspensão de cobranças e a proibição de inclusão dos cotistas em cadastros de inadimplentes. As decisões indicam, segundo ele, que o Judiciário começa a reconhecer indícios de descumprimento contratual prolongado e possível risco financeiro aos compradores.
O advogado afirma ainda que muitos cotistas relataram ter aceitado distratos com perdas de até 50% do valor investido, e que nenhuma multa contratual prevista para atraso foi paga pela empresa, mesmo nos casos em que a entrega foi ultrapassada em mais de dois anos.
Justiça de Garopaba condena Surfland por atraso e cláusulas abusivas
Recentemente, a Justiça de Garopaba condenou a Surfland Brasil Garopaba Incorporações SPE Ltda. a devolver integralmente os valores pagos por um cotista local e a indenizá-lo por danos morais. A decisão foi proferida em junho deste ano pela juíza Bianca Fernandes Figueiredo, da Vara Única da comarca.
Segundo a sentença, o contrato firmado em 2021 com o cotista que é engenheiro, não foi cumprido, mesmo após o vencimento do prazo de tolerância. A juíza rejeitou os argumentos da empresa sobre pandemia e enchentes e entendeu que o atraso decorreu de culpa exclusiva da incorporadora.
A Surfland deverá restituir R$ 90 mil corrigidos, pagar R$ 10 mil por danos morais e arcar com custas e honorários advocatícios. A sentença também anulou cláusulas que permitiam retenção de valores e comissão de corretagem, consideradas abusivas.

Empresa é alvo de críticas no Reclame Aqui
Em publicações no site Reclame Aqui, cotistas também denunciam falhas no atendimento pós-venda. Um dos consumidores, de Florianópolis, afirma que a empresa se recusa a aplicar cláusulas contratuais que preveem a devolução integral dos valores pagos em caso de inadimplemento, insistindo na retenção de metade da quantia. “Me sinto desrespeitado como consumidor. A empresa ignora tanto o contrato quanto o Código de Defesa do Consumidor”, relatou.
Outro cotista, de Imbituba, reclamou de mudanças repentinas nas regras de uso, como o limite de três dependentes por fração, o que não estaria previsto nos contratos. O mesmo consumidor afirmou ter sido tratado com descaso mesmo sendo cliente e funcionário do próprio parque.
Envolvimento do Ministério Público Federal
Além das reclamações cíveis, o empreendimento também é alvo de ação na esfera ambiental. Em agosto de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) Nº 5001660-69.2023.4.04.7216 contra a Surfland Brasil Garopaba, alegando irregularidades nas licenças ambientais do projeto em área que integra a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca.
De acordo com o MPF, entre 2019 e 2023, a empresa teria realizado obras com autorizações precárias dos órgãos competentes, impactando a APA e áreas de interesse arqueológico. A Justiça Federal solicitou um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e a empresa afirmou estar disposta a atender às exigências, desde que isso não implique a paralisação das obras.
Defesa da Surfland alega pandemia, enchentes e cláusulas contratuais de prorrogação
Nos processos judiciais, a Surfland Brasil Garopaba Incorporações SPE Ltda. tem adotado, de forma recorrente, a alegação de caso fortuito e força maior para justificar o não cumprimento dos prazos de entrega. Entre os principais argumentos apresentados estão os impactos da pandemia de Covid-19, enchentes no Rio Grande do Sul e a variação cambial, além de cláusulas contratuais que, segundo a empresa, permitiriam a prorrogação dos prazos em situações excepcionais.
Em algumas ações, os advogados da incorporadora sustentam ainda que o contrato estaria sendo cumprido de forma progressiva e que os compradores foram previamente informados sobre as etapas do projeto, mesmo sem data exata de conclusão.
A equipe de reportagem do Garopaba.sc procurou a empresa por diferentes canais. Foram enviados pedidos de posicionamento ao escritório Raupp Advocacia Empresarial, identificado como representante jurídico da incorporadora, além de mensagens via WhatsApp institucional da Surfland e por e-mail oficial da empresa. Até o momento da publicação, não houve resposta aos questionamentos por parte da empresa ou de sua assessoria jurídica para os questionamentos feitos pela equipe do Garopaba.sc.
A redação segue à disposição para incluir o posicionamento oficial caso seja enviado após a veiculação da matéria.