A Promotoria de Justiça de Garopaba respondeu aos questionamentos encaminhados pela redação do Garopaba.sc sobre a Ação Civil Pública nº 5001889-68.2025.8.24.0167, que pede a suspensão da obra em andamento no bairro Ferraz, em uma das antigas áreas verdes do Loteamento Cristo Redentor. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em junho de 2025, quando a edificação já se encontrava em fase final da estrutura e cerca de um ano após o último despacho no inquérito civil que apurava a permuta das áreas públicas.
O caso envolve a troca de duas áreas verdes, originalmente destinadas à preservação ambiental e drenagem do loteamento Cristo Redentor, por terrenos particulares localizados no centro histórico. A permuta foi autorizada pela Prefeitura de Garopaba em 2022, por meio das Leis Municipais nº 2.393 e 2.394, com a justificativa de implantação da Casa do Pescador e de um Mirante Turístico. No local da antiga área verde 01, está sendo construído um empreendimento residencial privado de oito apartamentos que teve sua paralização determinada em 11 de julho de 2025 pela juíza Bianca Fernandes Figueiredo, da Vara Única da Comarca de Garopaba.

Em recente reunião de moradores do loteamento Cristo Redentor com o promotor Guilherme Brito Laus Simas, teria sido debatido sobre a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e o Município para compensação das áreas verdes trocadas. Segundo relato, a proposta envolveria a doação de novas áreas com o dobro da metragem e valor das que foram permutadas em 2022.
Segundo consta no inquérito civil, dentre as sugestões para compensação, estão duas áreas institucionais do Loteamento Mirante, que participaram do leilão de bens imóveis inservíveis ao município realizado em junho deste ano.
A equipe do Garopaba.sc buscou esclarecimentos junto ao promotor de Justiça Guilherme Brito Laus Simas sobre a demora entre a constatação das irregularidades e o ajuizamento da ação, a ausência de pedido cautelar para impedir o avanço da obra, a inexistência de análise do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA/SC) e o entendimento da Promotoria sobre a possibilidade de compensação ambiental em substituição à área pública original.

O que diz o Ministério Público
Em resposta, o promotor Guilherme explicou que o lapso de tempo entre o último despacho – setembro de 2024 – do procedimento e o ajuizamento da ação decorreu da tentativa de resolução extrajudicial, com a expectativa de que a própria Prefeitura anulasse o ato administrativo de permuta, conforme a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, que permite à administração pública corrigir seus próprios atos ilegais. Segundo ele, essa tentativa buscava evitar a judicialização e priorizar a solução administrativa. O promotor também destacou que a Promotoria atua em diversas frentes em Garopaba, o que demanda tempo para análise e priorização de casos.
Sobre a ausência de laudo do IMA/SC, o promotor afirmou que, após a criação do Instituto do Meio Ambiente de Garopaba (IMAG), as competências foram divididas entre o órgão municipal e o estadual. Ele explicou que no local houve canalização e tamponamento de um curso d’água, e que, conforme a Instrução Normativa nº 70 do IMA, esse tipo de intervenção faz com que o trecho deixe de ser considerado Área de Preservação Permanente (APP), embora o entorno ainda mantenha essa condição. Segundo ele, obras podem ser licenciadas desde que atendam às regras ambientais vigentes.
Em relação à compensação ambiental prevista na ação, o promotor observou que essa é uma medida possível e prevista na Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente. De acordo com ele, a compensação pode ser adotada em conjunto com multas ou indenizações, conforme o caso concreto, e deve sempre observar o interesse público, evitando penalizar duplamente a sociedade com o pagamento de valores que sairiam dos cofres municipais.
Sobre as áreas sugeridas para compensação, o promotor esclareceu que se tratam de áreas institucionais — originalmente destinadas a equipamentos públicos — que passariam a ser classificadas como áreas verdes, o que impediria sua futura venda, leilão ou permuta. Ele acrescentou que novas tentativas de alienação desses espaços poderiam caracterizar ato de improbidade administrativa.
Perguntas e respostas entre a redação do Garopaba.sc e a Promotoria de Garopaba na íntegra
Garopaba.sc: O inquérito foi instaurado em 2024 e ficou sem movimentação após setembro do mesmo ano, mas a Ação Civil Pública só foi ajuizada em 3 de junho de 2025, quando a obra já estava em fase final, com a laje de cobertura concretada. Nesse período, não houve pedido de embargo cautelar para suspender a construção. Considerando o despacho de 04 de setembro de 2024, no qual o dr. destacou a urgência do caso, por que não foram adotadas medidas judiciais para impedir o avanço da obra até a decisão final?
Guilherme Brito Laus Simas: O lapso temporal entre o último despacho do procedimento administrativo e o ajuizamento da ação civil pública ocorre em razão da forma de trabalho adotada pela Promotoria de Justiça, respeitando o princípio constitucional da independência dos poderes (art. 2º da Constituição Federal) e a realização de tratativas e acordos extrajudiciais, visto que em julho de 2024 o Ministério Público advertiu o Município sobre a ilegalidade na permuta e a possibilidade de regularização pela própria Prefeitura Municipal, conforme Súmula 473 do STF “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.;
A Lei n. 14.133/2021 também traz comandos sobre a nulidade dos contratos, a ser feita pela própria Prefeitura Municipal:
Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos:
I – impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
II – riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
III – motivação social e ambiental do contrato;
IV – custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
V – despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados;
VI – despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades;
VII – medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados;
VIII – custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas;
IX – fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação;
X – custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato;
XI – custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Parágrafo único. Caso a paralisação ou anulação não se revele medida de interesse público, o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis.
Art. 148. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 147 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que o contrato deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos.
§ 1º Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis.
§ 2º Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez.
Art. 149. A nulidade não exonerará a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que houver executado até a data em que for declarada ou tornada eficaz, bem como por outros prejuízos regularmente comprovados, desde que não lhe seja imputável, e será promovida a responsabilização de quem lhe tenha dado causa.
Ademais, esta Promotoria de Justiça atua também na área da infância e juventude, que possui prioridade absoluta conforme art. 227 da Constituição Federal, consumidor, família, cível, medicamentos, cidadania e direitos humanos, entre outros temas, o que acaba por demandar atenção para diversos outros casos de grande relevância para a comarca.
Garopaba.sc: Nos autos da ACP não consta análise técnica do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA/SC) sobre a área, que, segundo informações disponíveis, é classificada como Área de Preservação Permanente (APP). Há inclusive precedente em Garopaba, em proximidade da área em questão, a ACP nº 5002421-76.2024.8.24.0167, que requereu demolição parcial de imóvel em APP com base em laudo do IMA. Por que não foi requisitada análise do IMA/SC no caso do bairro Ferraz? O MP pretende solicitar perícia ambiental para confirmar essa condição? É permitido fazer alterações na canalização do curso d’ água conforme foi feito pela Prefeitura no local?
Guilherme Brito Laus Simas: No Inquérito Civil nº 08.2024.00353796-1, que deu origem à ACP nº 5002421-76.2024.8.24.0167, o Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT) do MPSC concluiu que a área era APP. O mapa anexado nesse inquérito (ver anexo deste e-mail) inclui também a área verde do Ferraz. Esse dado técnico será considerado pela Promotoria na ação em curso?
Estudos técnicos do IMA eram feitos antes da criação do IMAG. Atualmente há uma divisão de atribuições entre os órgãos municipal e estadual de defesa do meio ambiente. No local da presente ACP houve canalização de um trecho do curso d’água em seção fechada, com tamponamento, o que, segundo a instrução normativa 70 do Instituto do Meio Ambiente, deixa de apresentar as características de um curso d’água natural no local e também perde a função da APP especificamente no local onde houve o fechamento, mantendo a APP nos demais trechos não tubulados, como o indicado na outra ACP. Portanto é possível licenciar obras nesse sentido, desde que obedecidas as regras previstas na norma.
Garopaba.sc: A ação prevê, subsidiariamente, que, caso a demolição seja considerada inviável, o Município/Incorporadora adquira novas áreas verdes em substituição. Como a Promotoria avalia essa compensação, considerando que a área do Ferraz já era bem público consolidado, com função ecológica desde a planta do loteamento em 1986?
Guilherme Brito Laus Simas: A compensação é uma medida prevista na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei n. 6.938/81) como forma de recuperação do dano ambiental, que pode ser cumulada com a medida de indenização/multa, se considerada de maior interesse público, o que deverá ser avaliado conforme o caso concreto, visto que qualquer tipo de multa ou indenização a ser paga pelo Município na realidade será paga com recursos do povo, punindo duplamente a sociedade que ficou sem o ativo ambiental e ainda terá que arcar com os custos da eventual multa por meio de seus impostos.
Garopaba.sc: No Inquérito Civil nº 08.2024.00455613-2, à página 243, são sugeridas áreas no Loteamento Mirante como possível compensação. No entanto, essas áreas já constam como áreas verdes daquele loteamento e participaram de leilão realizado pela Prefeitura em junho de 2025. Essas áreas ainda podem ser consideradas válidas como compensação? Qual a garantia de que essas áreas futuramente não sejam desafetadas?
Guilherme Brito Laus Simas: Eventuais áreas a serem compensadas pelo Município são “áreas institucionais” (destinadas a implantação de equipamentos urbanos, como creches, postos de saúde ou prédios públicos) que passariam a se tornar “áreas verdes” (destinadas para parques e proteção ambiental), portanto são áreas que antes eram passíveis de serem permutadas e construídas e agora ficariam afetadas como áreas verdes, que não podem ser vendidas, leiloadas, permutadas ou construídas. Em caso de novas práticas ilegais, poderá ser configurado ato de improbidade administrativa por eventual má-fé do gestor público.